De onde você é?
- Bianca Rebuli Santos
- 12 de out. de 2023
- 3 min de leitura
Atualizado: 14 de out. de 2023

“De onde você é?”
Essa pergunta para muitas pessoas é bem simples de responder, mas existem aqueles que podem responder com uma outra pergunta: “você quer saber onde nasci, onde minha família está, o país em que passei a maior parte da minha vida, o lugar onde fui mais feliz, onde tenho mais amigos, o último país de onde venho ou onde eu moro agora?”.
“O termo terceira cultura refere-se então a um modo de vida que não é nem como a vida daqueles que vivem na cultura local nem como a vida daqueles que vivem na comunidade local, mas é um estilo de vida com muitas experiências comuns partilhadas por outras pessoas que vivem numa comunidade local de maneira semelhante.” (POLLOCK, et.al, p.17, 2017).

Através deste estilo de vida específico, os TCKs muitas vezes desenvolvem características comuns que diferem em vários aspectos ou graus das características daqueles que basicamente nasceram e viveram toda a sua infância em um só lugar. A maioria dos TCKs aprende a viver confortavelmente neste espaço intermediário que compartilham com outros TCKs, quer parem para defini-lo ou não (POLLOCK, 2017).
A experiência de vida de um TCK permite que ele desenvolva grandes habilidades de adaptação (Moore & Barker, 2012), mesmo assim eles não estão imunes a sentimentos de angústia que vem por não se encaixarem em um determinado lugar, país ou cultura. (DONOHUE, 2022).
Um momento bastante sensível para qualquer TCK é a repatriação, em especial aqueles que saíram de seu país de origem ainda na primeira infância. O retornar é como se fosse a primeira entrada naquele país e segundo Pollock essas crianças precisam de estabilidade parental, apoio familiar e de amigos para ajudar a diminuir essa angustia e estresse causado por esse retorno.
Apesar de pouca literatura nessa área, segue abaixo algumas dicas de como diminuir o impacto de repatriação para as crianças TCKs, informações importantes em especial para os pais ou tutores dessas crianças e também para quem agora é um adulto que vivenciou a terceira cultura quando criança:
Pais lembrem-se que está tudo bem se seus filhos não compartilham o mesmo senso de identidade nacional que vocês. Em especial no início da repatriação isso pode ser mais comum. Vejam a criança TCK como alguém que tem o seu mundo expandido não limitado;
Se for necessário converse com um especialista, pode ser um psicólogo ou psicoterapeuta. Lembre que a repatriação traz vulnerabilidade para essa criança ou jovem e é sempre importante ter um espaço de confiança e acolhimento para falar sobre tudo que está acontecendo;
Pra você que hoje é um adulto TCK não ignore seu passado, afinal avançar na vida e crescer para cada fase nunca é uma negação do que já foi vivido, pelo contrário é uma afirmação do que foram suas experiências.
Mesmo sendo desgastante, o processo de repatriação traz para o TCK uma pluralidade da palavra “lar”, como é possível ver no poema abaixo do cidadão belga Hendrik Verrijssen que aos doze anos de idade conseguiu capturar a riqueza de sua experiência, o desafio de definir suas raízes geograficamente e o conforto de defini-las relacionalmente (POLLOCK, 2017).
"Eu sou da Bélgica, onde as nuvens geralmente estão encharcadas de chuva,
Eu sou da Itália, onde as nuvens são sempre limpas pela luz do sol,
Eu sou da Polônia, onde o céu é tão escuro quanto o carvão,
Eu sou de Mozart, cuja música encantou os corações dos povos e acordei suas almas,
Eu sou dos meus sonhos e pesadelos, onde minha imaginação assume,
Eu sou do Egito, cujos mistérios assombram as mentes das pessoas,
Eu sou do oceano, onde as ondas acalmam meus pensamentos,
Eu sou das montanhas, onde o eco chama meu nome,
Acima de tudo, sou da minha família, onde meu coração realmente pertence."
(Hendrik Verrijssen)
Quando você ouvir de novo a pergunta “De onde você é?” lembre-se que não existe um certo, errado ou mesmo uma resposta simples e direta. O que existe é uma oportunidade de interagir através dessa pergunta. No lugar de um simples nome de cidade ou país, existe uma resposta cheia de experiência de vida e muita história pra contar.
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Bianca Rebuli Psicóloga e Psicoterapeuta
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REFERÊNCIAS
DE VROEDT, Rania. (2022). The effect of global mobility on third culture kids: Do early childhood mobility and cultural changes contribute to poorer general mental health in adulthood?. Master's thesis, Harvard University Division of Continuing Education.
DONOHUE, Chloé. (2022). Growing up as a third culture kid and its impact on identity and belonging. Vol 37. Counselling Psychology Review.
MOORE, A. M., & Barker, G. G. (2012). Confused or multicultural: Third culture individuals' cultural identity. International Journal of Intercultural Relations, 36(4), 553562.
POLLOCK, D.C., Van Reken, R. & Pollock, M.V. (2017). Third culture kids: Growing up among worlds (3rd edn). Boston: Nicholas Brealey Publishing.
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